O bonde passou — Apesar de ter saído do radar do governo desde 2007, o setor começou a titubear dois anos depois, com os efeitos da crise financeira minando o crédito para empresas no Brasil e no exterior. Mesmo endividados, empresários conseguiram manter a produção até 2011 porque vinham investindo, sobretudo, no aumento da área plantada de cana-de-açúcar — mas não em produtividade ou melhoria das mudas. "As usinas começaram a se profissionalizar, mas ainda tinham muita interferência familiar. Muitas aproveitaram a euforia para investir em terra num momento de explosão do agronegócio, em que ela estava muito cara. Além disso, arrendaram terras a preços altos e, depois, não conseguiam pagar pela cana", afirma Lars Schobinger, da consultoria Kleffman. Ao passo que faziam investimentos ousados no aumento das plantações, as usinas passaram a cortar custos e, consequentemente, a perder qualidade no manejo da lavoura. “Muitas não usam, desde então, mudas de qualidade, não planejam seus viveiros, não fazem uma gestão adequada da lavoura, não investem na infraestrutura da própria usina e prezam mais a quantidade do que a qualidade”, resume Virgílio Vicino, do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), entidade responsável por trabalhar a inovação nas mudas da planta.
Segundo Vicino, mudas novas têm um potencial genético 13% mais produtivo, se o manejo for adequado. O ideal é que, anualmente, 20% do canavial seja renovado para que se consiga, em cinco anos, substituir todas as mudas e avançar em produtividade. Contudo, por falta de caixa, as usinas costumam renovar apenas 10% anualmente. O resultado, segundo o CTC, é de uma perda em produtividade de 5% entre 2006 e 2013. No caso da soja, por exemplo, houve avanço de 2% no mesmo período. Para o milho, a alta é de 36% no mesmo intervalo. Mudas de melhor qualidade e mais produtivas são resultado de investimentos bilionários em inovação. E, neste caso, é preciso reconhecer que os usineiros estão em desvantagem. Enquanto os grandes produtores de grãos contam com o apoio da Embrapa e de grandes tradings como a Monsanto e a Cargill para financiar a melhoria genética, no caso da cana-de-açúcar, a inovação fica totalmente sob o respaldo dos grupos endividados.
Quem dá certo — Aqueles que aproveitaram o período de euforia para se capitalizar, em vez de acumular mais dívidas, estão em situação confortável. Os lucros auferidos diminuíram em relação ao final da última década, mas não se transformaram em prejuízo. Exemplo é o grupo São Martinho, com capital listado na bolsa, que lucrou 128 milhões de reais no ano passado. Já o grupo europeu Tereos, dono do açúcar Guarani, teve ganhos de 41 milhões de reais no período. Segundo a Kleffmann, há cerca de 30 grupos no Brasil com capacidade para atravessar a crise. Seu lucro acumulado chega a 700 milhões de reais. Já os grupos endividados somam quase 100: são cerca de 60 usinas que fecharam e quase 40 em recuperação judicial. A dívida acumulada pelas empresas em crise chega a 2 bilhões de reais. O grupo Aralco, de Araçatuba, no interior de São Paulo, apresentou em julho o maior pedido de recuperação judicial do setor, com dívidas no valor de 1,35 bilhão de reais com bancos e o Fisco. Segundo o plano, o que explica a crise na empresa são fatores macroeconômicos (a desvalorização cambial), climáticos (a forte estiagem), e a baixa produtividade de suas usinas. Enquanto na São Martinho, a produtividade é de 99,5 toneladas por hectare, no caso da Aralco não passa de 63,3 toneladas. "Quem aproveitou a euforia pra se capitalizar, se deu bem. Afinal, o momento de investir é na crise, não na euforia", diz Schobinger.
Sem poder controlar a mão do governo nem repassar os custos, a reação lógica para as sucroalcooleiras seria trocar a produção do etanol pela de açúcar. Mas, não só muitas usinas têm limitações técnicas para mudar a planta, como também os preços do açúcar no mercado internacional estão em queda. “Essa, sem dúvida, é a pior crise do setor”, diz Ricardo Pinto, da RPA, consultoria de Ribeirão Preto (SP) especializada em açúcar e álcool. Segundo o especialista, trata-se de um círculo vicioso do qual, diante da atual conjuntura, é impossível sair. “Muitas usinas tomaram crédito barato, expandiram sem planejamento suas operações, estavam muito alavancadas e não conseguiram pagar. Como consequência, tiveram problemas de receita e, para piorar, não conseguiram repassar para os preços”, explica.
Ainda que a própria Petrobras pleiteie o fim do controle de preços da gasolina — afinal, o ônus é arcado por seu próprio caixa —, dificilmente o novo governo que se iniciará em 2015 conseguirá tirar todos os subsídios de uma só vez, caso assim queira. Por isso, o que o setor espera para o futuro é uma política que, pelo menos, não atrapalhe a tentativa de recuperação das usinas. Cid Caldas, coordenador geral do segmento de açúcar e etanol do Ministério da Agricultura, não ousou criticar os subsídios à gasolina, mas disse acreditar, ao menos, na retomada da produtividade a partir do ano que vem, quando termina o ciclo de adaptação da indústria à mecanização. Segundo ele, mais de 90% dos produtores do Estado de São Paulo já estão mecanizados e as lavouras avançaram no ciclo de renovação. “A partir de 2015 não teremos mais colheita manual”, afirma. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também percebeu o vácuo de inovação do setor e lançou há três meses, em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) um novo programa de incentivo. O objetivo é ajudar o desenvolvimento de projetos nas áreas industrial e agrícola. Contudo, a avaliação dos especialistas é categórica: com incentivos ou não, se não houver um planejamento de longo prazo para o setor, o etanol não sobreviverá.
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